Rolava o ano de 2004, começo de agosto. As campanhas eleitorais para a presidência e para os governos estaduais começavam a ganhar corpo. À tardinha, segundo o costume interiorano de tempos atrás, quase todo santo dia, Solano, velho parceiro de Leonel, sentava-se com ele na porta da rua, depois do expediente e iam jogar conversa fora sobre política e futebol.
O celular de Leonel tocou.
– Alô Leonel, tudo bem?
– Alô, tudo! Quem tá falando?
– É o Sombra!…-
– Não tenho tempo para trote, vá se danar seu otário!
– Não! Não! Peraí, me dá um tempinho…
-Se é coisa séria, seja homem sério. Não se apresente com esse apelido idiota!
-Explico: Sou o Sombra porque o meu trabalho é camuflado, sempre assumo as missões mais complicadas da campanha!
-Seja claro ou eu desligo!
-Não! Não! Peraí, vou abrir o jogo. O nosso futuro governador, pois acredito na vitória dele, acatou a orientação do seu marqueteiro e quer conduzir a nossa campanha desconstruindo os desgastes acumulados ao longo da carreira política. Ele sempre foi acusado injustamente de ser ditador. Essa mentira contada insistentemente grudou e nós queremos desfazê-la!
-Já sei de quem o senhor está falando, mas não sei aonde o senhor quer chegar!
– É muito simples! Já temos conosco, compondo o palanque, os dois principais adversários da campanha passada, prova de que somos abertos ao diálogo e que não vamos governar sozinhos! Veja o senhor, falo em nome do nosso candidato. Ele delega, distribui tarefas e não é centralizador. Essa é uma postura democrática.
-Mas…e daí?
-Daí?! Olha, o terceiro adversário que nos
deu muito trabalho foi o ex-candidato Solano, aí da sua cidade. Nós precisamos conquistar a adesão e a participação dele na nossa campanha e em nosso futuro governo e o senhor pode nos ajudar nessa tarefa, pois sabemos que, além de ser seu amigo, o senhor tem sido o seu conselheiro mais influente!
– Negativo! Ele sabe andar com as próprias
pernas, mas vou fazer o seguinte: Depois de conferir as adesões que o senhor está anunciando, conversarei com ele e com os outros aliados e aí o senhor me liga daqui a seis dias. É tempo suficiente para amadurecer uma decisão favorável, desde que tudo se confirme.
– Sim! Pode conferir, mas temos pressa. Sabe-se, em muitos debates, até se chegar a uma conclusão, demora um pouco, porém vamos aguardar. Ligo daqui a seis dias nesse mesmo horário. Pode ser?
– Combinado!
Leonel, ao desligar o telefone, começou de imediato uma conversa firme, olho no olho, com Solano, sobre esse surpreendente telefonema que acabara de receber, oportunamente colocado no viva voz para que o próprio Solano ouvisse a conversa toda. Ponderou, Leonel, que tinha marcado uma resposta para seis dias depois, somente para passar seriedade e não mostrar qualquer ansiedade, afinal, nesse tipo de transação política ninguém pode ir com muita sede ao pote. Solano, de imediato, colocou sob a responsabilida de Leonel todos os poderes para negociar com o senhor Sombra.
-Na próxima ligação que o senhor Sombra fizer, Solano, quero que você esteja comigo. Vou colocar o telefone novamente no viva voz para que tudo fique muito claro para você!
– Leonel, que tipo de reivindicação vamos fazer?
– Ainda nem pensei nisso!
-Já adianto que você será bem recompensado!
-Solano, o foco é você. Eu quero é ver você crescer. Subir na vida. Você merece!
– Ok, mas não vou esquecer os amigos, principalmente você!
-Vamos fazer o seguinte, Solano: Você vai para sua casa, pensa com calma, conversa só com a sua esposa e não vaza isso para ninguém.
Ao chegar lá, Solano, um tanto pensativo, falou:
-Mulher! agora a nossa vida vai mudar…
-Não tô entendendo…
-O pessoal do candidato favorito, disparado nas pesquisas, ligou.
Querem o meu apoio!
– Baixe essa bola, homem! Seus votos, na eleição passada, não davam para encher nem o papo de um pardal. Naquela campanha miserável, até o seu paletó era emprestado!
– Mulher, não se trata apenas de votos. O candidato que quer minha adesão, como uma velha raposa que é, sabe que ao trazer os adversários para o seu lado e abraçá-los em cima do palanque, estará demonstrando que não é um ditador, que não quer governar sozinho.
– Muito bonito! Você já perguntou para nossas panelas sobre o que virá para elas?
– Mulher! Deixe de pensar miúdo. Vem coisa grande por aí…Para nós!
Tão logo o ex-candidato Solano foi para sua casa, Leonel telefonou para o Sombra, que não era outro, mas sim o seu amigo Geilton e o chamou para conversar. Geilton estava apenas a dois quarteirões dali. Nosso Sombra, o Geilton, com semblante de riso, já chegou perguntando:
-E aí? Como foi a reação do Solano?
– Saiu daqui animado, arrebentando o cabresto das chinelas… Foi conversar com a esposa sobre o que vão reivindicar do candidato paz e amor. Eu fui escolhido para conduzir as negociações!
– Eita! O que será que ele vai pedir?
– Essa parte eu vou orientar. Por enquato, apenas a Secretaria de Turismo!
– Porra! Turismo? Pede coisa melhor. Sou eu que vou estar do outro lado da linha e vou abrir as pernas, dar tudo o que você pedir pra ele!
– Você está se esquecendo que tem de ter uma dose de realismo para ele não desconfiar. A Secretaria de Turismo, eu posso explicar que está de bom tamanho porque ele nunca vai conseguir o que os outros dois ex-candidatos, bem mais votados que ele nas eleições passadas, vão conseguir. São peixes graúdos. Ele é só um lambari pegando a onda de um candidato repaginado, que tá se esforçando para mostrar que é um democrata. Ele, Solano, nessa história, é só o contra-peso.
-Entendi!…
Chegado o dia da nova ligação telefônica, Geilton, o Sombra, pontualmente ligou. Leonel, ao lado de Solano, atendeu e de imediato colocou o telefone no viva voz.
-Boa tarde senhor Leonel, o que decidiram?
-Olha, o bonito gesto do seu candidato sensibilizou muito o nosso grupo e também o nosso líder. Mas, o senhor sabe que em matéria de política precisamos ser pragmáticos. O nosso dirigente, aqui, precisa atender a muitas demandas da comunidade!
-Compreendo. Mas, bote isso em pratos limpos!
-Queremos a Secretaria de Turismo, cem empregos e mais dez cargos de confiança. Precisamos de plena autonomia na Secretaria de Turismo. Que o orçamento dela seja corrigido já no primeiro ano de governo, em 100% . Ah! Outra coisa, queremos duas caminhonetes de campanha para nossos deslocamentos.
– Senhor Leonel, acho o pleito mais do que justo. O nosso candidato, se bem o conheço, vai dar o respaldo. Nesses próximos três dias, o mais tardar, fique atento que eu vou telefonar para passar a decisão!
– Combinado, vamos aguardar!
– Somente dez dias depois, já com Solano desconfiado e Leonel fingindo achar tudo estranho, é que o telefone tocou. Solano, estava postado ao lado de Leonel para ouvir tudo no viva-voz.
– Alô senhor Leonel. Tudo bem?
– Alô. Não. Não tá nada bem!
-O que houve?
– Sua ligação está com um atraso de dez dias!
-Peço mil grau desculpas. Houve alguns contratempos e só agora pude retomar a conversa com o senhor!
-O seu candidato vai acatar ou não o nosso pleito? Esse atraso pegou mal.
– Em boa parte, vai. Ele cede uma caminhonete, não duas. A Secretaria de Turismo com orçamento corrigido em 50%. Não dá para chegar aos 100%. Ofertará cinco cargos de confiança, não dez, na própria Secretaria. O senhor Solano deverá se comprometer a participar em palanque de todos os comícios agendados, pois ele e os outros ex-candidatos, no auge do discurso do nosso candidato, serão abraçados para mostrarmos a nossa união e boa vontade, a qual vai desfazer gradativamente, a cada comício, a desconfortável imagem de ditador do nosso candidato. Infelizmente, a negociação termina aqui. Esperamos que aceitem a nossa oferta sem novas rodadas de negociação. Sr. Leonel, como homem de confiança do Solano, esperamos que o senhor faça ele entender que nossa contraproposta é muito boa. O comparecimento de Solano em nosso próximo comício significará que o nosso acordo foi celebrado. Ele já está convidado para compor palanque e lá, discretamente, um assessor do nosso candidato se apresentará pessoalmente para atender as demandas do senhor Solano e do seu grupo. Foi bom negociar com os senhores. Um abraço!
– Outro!… Passados quase vinte anos desses acontecimentos, Solano ainda frequenta a casa de Leonel e tenta entender o que aconteceu. Ele compareceu a todos os comícios e foi prestigiado o tempo todo, mas o tal do assessor que iria procurá-lo nunca deu o ar da sua graça para corroborar qualquer entendimento.
-O que será que houve, Leonel?
-Solano, na época nós éramos jovens e inexperientes. Você, ao se apresentar nos comícios sem ter tido uma audiência com o próprio candidato ou com o coordenador da campanha para amarrar os compromissos, queimou a largada, mostrou ao público e à imprensa que já tinha aderido e o pior, sem qualquer garantia. Eles, sim, passaram a ter o que queriam. Em política, ninguém paga o que já chegou de graça. Essa é a visão de praxe, ainda que moralmente você tivesse algo a receber. Mas da parte deles já não precisavam cumprir mais nada. Você já estava fisgado. Outra coisa que até hoje me incomoda: Quem nos garante que não caímos num trote? Nunca vimos a cara do tal Sombra. Ah!… Se eu dou de cara com ele… Até faço uma besteira. Bem! Já se foram quase vinte anos, é melhor a gente esquecer isso. O Flamengo ganhou?
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JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR
Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.